sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Forno Pompeii


Forno Pompeii

Nasceu egípcio, cresceu grego e ganhou alma italiana


Os egípcios inventaram o forno. Faziam estruturas mais ou menos cônicas, com tijolos de adobe cozido do barro do que extraiam do Rio Nilo. Achados arqueológicos e fontes históricas indicam que estes primeiros protótipos eram  fornos brancos, ou seja, o fogo era feito em uma câmara separada daquela onde os alimentos eram assados. Curiosamente esta tecnologia está voltando nos fornos contemporâneos que são construídos na parte superior das modernas estufas de massa de queima dupla.


Forno Pompeii

Gregos arquearam sua a cúpula para concentrar o calor irradiado no centro do forno e possivelmente passaram o fogo para dentro do forno, e só mais tarde, os romanos o adotaram e disseminaram esta forma revolucionária de assar alimentos por todo seu império, apenas acrescentando o espaço sobre cúpula para o isolamento térmico.  Como em Roma tudo já acabava em pizza e outras coisas mais, naquela época instituíram a Fornicalia, uma festa comemorada em 17 de fevereiro para a homenagem a Deusa Furnace, protetora dos fornos e do pão e da fornicação no sentido culto...

O forno ganhou alma  e coração italianos no Reino de Nápoles, entre os séculos VI e X, ao permitir a evolução da focaccia e o ressignificado a palavra “pinsa” – equivalente no dialeto napolitano a amassar, esmagar – para a pizza. O coração bateu forte e bombeou massa de tomate e mozarela pelos sete cantos do mundo, elevando a pizza a condição de prato mais apreciado no planeta – mas, há controvérsias, pois o churrasco...


Alma e Coração italianos

Os fornos napolitanos, pela sua natureza, são mais focados na pizza, e por isso tendem a ser, proporcionalmente, mais baixos do que os Pompei, ter cúpulas elipsoidais achatadas (10 a 20 cm de altura) assentadas sobre uma primeira fileira de tijolos dispostos em pé (21 a 28 cm) e por isto refletem calor do teto com mais intensidade. Tratarei deles um dia, assim como de outros modelos.

Interessam, agora, apenas os Fornos Pompeii. Eles possuem o teto mais curvo e um pouco mais alto (5 a 10 centímetros) que os Napolitanos e sob risco de abusar da história, podem ser referidos como tendo a forma de iglu – diga-se de passagem, outra invenção para reter calor.

Forno Pompeii intacto achado em escavações arqueológicas 
Esta estrutura só um pouco diferente lhes dá a vantagem de ser menos especializados em pizza, pois nele entram alimentos com formas mais volumosas, se adaptando melhor ao uso multipropositário do qual as famílias precisam. 

Quem quiser aprofundar o assunto pode buscar na internet o folheto da Forno Bravo “Pompeii Oven™ Plans Version 2.0 Build an Authentic Italian Wood-Burning Oven”.

A forma de iglu é a mais comum no Brasil, normalmente é construída com diâmetro inferior a um metro e, infelizmente, apresenta muitos problemas de rendimento e funcionamento. 

Os fornos esfriam rápido, exigindo muito fogo aceso e assim dificilmente conseguem assar duas pizzas ao mesmo tempo. Com a altura frequentemente exagerada em relação ao diâmetro, há deficiências no cozimento, desperdício de lenha e muita fumaça saindo pela boca. 

Um bom forno familiar deve ser capaz de atender dez ou mais pessoas, assar duas a três pizzas ao mesmo tempo, alojar mais de 10 pães em uma fornada e ser capaz de assar um Peru ou um pernil inteiro. Desta forma ele precisa ter uma base interna com pelo menos 85 centímetros de diâmetro, paredes não muito grossas para que aqueçam até 200 °C em menos de uma hora e seja isolado o suficiente, para manter sua temperatura depois de utilizado, caso seja mantido fechado e abafado (bom forno ter 250 °C 24 horas depois).

Sua eficiência também precisa ser boa, e isto significa um consumo médio de 6 kg de lenha seca por hora, capacidade de assar pizzas em no máximo em três minutos, melhor quando chegar perto de 90 segundos, e atinja e mantenha uma boa temperatura de trabalho acima de 400 °C com pouco fogo em seu interior.

Proporções elementares

A ALTURA interna pode ser calculada usando o raio interno menos 10%. Sua forma, então, se assemelha a uma esfera um pouco enterrada. Se o diâmetro for acima de um metro, o que só é aconselhável quando for necessário fazer quatro ou mais pizzas de uma vez, é melhor usar a medida do diâmetro dividido por 3,4.

Fornos dedicados para pizza (alta temperatura e fogo vivo) são normalmente mais baixos que fornos multipropósito, mas não devem ter menos que 25 cm de altura se forem pequenos - com menos de 90 centímetros de diâmetro, e não menos que 30 cm de altura se forem médios. Isto evita calor de irradiado excessivo sobre a pizza e boa umidade interna.

Uma altura de 40 cm para um forno de 90 cm de diâmetro harmoniza bem as proporções para todas necessidades domésticas, racionalizando o gasto de combustível e facilita o manejo nos vários usos: pizza, pães, bolos, assados e ensopados.

A PORTA de bom tamanho tem no máximo 63% da altura interna do forno e sua largura não influi muito no rendimento, mas no manejo sim, logo deve ter uma largura entre a altura e o raio interno do forno. Se houver um termômetro na porta, ele quase sempre marcará 100 °C a menos do que o piso do forno, mas é a experiência quem vai dizer, ou talvez seja melhor arranjar um termômetro a laser desses baratos.

A Parte de Fora

A CHAMINÉ nunca deve estar dentro da câmara de combustão do forno (mas nunca mesmo), tanto para evitar a entrada de ar frio por ela, quanto a queda de fuligem sobre a comida. Sua melhor posição é sobre a boca de entrada, e neste caso, se a porta for móvel, pode ser colocada antes e depois da abertura de exaustão facilitando muito o manejo do fogo, abafando ou atiçando conforme a necessidade, e nunca se dispensa o abafador na canalização.

Uma chaminé com o diâmetro de 20 cm é aceitável para fornos de até 80 cm de diâmetro, mas a tubulação deve ser reta e alta (3 ou mais metros). Nos fornos com mais de um metro de largura o diâmetro mais apropriado é 25 cm, porém se a tubulação for baixa, ou tiver curvas de 90° talvez seja preciso aumenta-la e isso não se consegue fácil depois, então planeje e projete bem. Apenas no início do aquecimento de um forno frio é aceitável que um pouco de fumaça saia pela boca, mesmo assim deve ter sido colocado muita lenha e muito grossa, para começar.

A BOCA de entrada normalmente tem altura e a largura igual, ou ligeiramente maior, que a porta e liga-se ao forno por um túnel que deve ser maior que o diâmetro da chaminé, sugere-se 5 centímetros pelo menos. É bom que exista um balcão com bastante espaço livre na frente e dos lados da boca para facilitar o trabalho e depositar os instrumentos.

A altura de um forno deve ser acima do umbigo e abaixo dos ombros do operador, óbvio, mas nem tanto… Não menos que 1,1 e não mais que 1,4 metros deve resolver todos os casos, mas se houver um estrado ou algo que aumente a altura do pizzaiolo é bom contabilizar, pois trabalhar muito curvado, com fumaça na cara, ou sem ver bem dentro do forno é desnecessariamente estúpido.

A MESA deve ser sustentada por uma estrutura resistente. Quando o forno pode ter que mudar de lugar, é preferível apoiá-lo em uma estrutura de metal, que até pode ter rodas reforçadas. Quando o forno deve ficar imóvel, basta uma estrutura simples de alvenaria ou blocos de concreto sobre um contrapiso reforçado.

O ISOLAMENTO de um forno é uma etapa crítica de sua construção e bastante cara, mas sem ela dificilmente haverá um resultado bom. Quando bem executado fará com que o forno precise de pouco combustível para atingir e manter a temperatura de trabalho e depois funcionar equilibradamente assando pizzas, no calor pães, bolos e por fim o rescaldo, que é cobrir aboboras e batatas com as cinzas e as poucas brasas que restaram quatro ou cinco horas após.

O caso contrário é triste, mas é frequente. Fornos mal isolados têm que queimar muito combustível e manter, quase o tempo todo, o fogo aceso bem alto, pois a abertura da porta e a movimentação no seu interior a baixam a temperatura interna muito rapidamente. Um forno nestas condições, é quase certo que desgrace seu operador, queimando as pizzas em baixo e no lado mais próximo do fogo, ou deixando a parte de cima e dentro das bordas a massa mole e mal assada.


Quem já comeu pizza assim diz amém, curte e compartilha, mas da próxima vez, xingue o dono, não o coitado do pizzaiolo!





O motivo é o calor mais importante do forno, o irradiado, vir das paredes e do teto, e sem isolamento ele se perder em boa parte para o exterior, sem o que o reflita de volta para dentro. A compensação para isto não existe, mas o senso comum manda queimar mais combustível, porque há a sensação de que o forno esfria rápido, quando na verdade ele não está conseguindo acumular o calor. Ciclo vicioso em vista.

O fogo vivo no interior do forno é um assunto delicado, indispensável para aquecer o forno, se for mais que o necessário para a manutenção da temperatura de trabalho, torna ele a principal fonte de irradiação de calor desastrosamente concentrada e demasiado forte, pois estará perto de 600 °C ou mais, quando um forno bem quente opera no máximo a 500 °C. O fogo também aumenta o calor transmitido por condução da base e assim o que estiver em contato com ela vai queimar. A convecção da massa de ar dentro do forno também aumenta, e será como se jatos quentes caíssem sobre os alimentos, derretendo os ingredientes mais úmidos, uma lambança, e as pizzas ficarão parecendo uma sopa. Se espera, também, muita fumaça, o que acabará por obstruir a chaminé com o creosoto resultante da queima e empestando o ambiente.

Este caos infelizmente não é muito raro no mercado nacional de fornos pré-moldados e são poucos os modelos com algum isolante misturado no concreto das paredes e da base, ou que venha acompanhados de instruções para o isolamento térmico. Quem quer um forno, de alguma maneira está sovando seus sonhos e possivelmente estará com as guardas baixas para os “especialistas” de plantão. Cuidado! E não adianta muito perguntar para quem comprou um forno destes, todo mundo mente segundo o Dr. House.

Na internet são poucos os fabricantes que distribuem informações completas de montagem e isolamento, a maioria ou não divulga nada, ou apenas mostra como é a montagem das peças pré-fabricadas, possivelmente para dar a impressão de que seu forno é tão bom que não precisa de mais nada: é instalar e usar. Não admira que depois de mal instalados, sem isolamento decente e canalização apropriada, muitos fornos funcionem de forma sofrível, queimando as bordas dos sonhos, deixando cru o miolo da vontade de fazer pizzas e pães, até serem abandonados depois de tanta frustração e defumação. Talvez por isso, inconscientemente muitos já sejam construídos nos cantos...

Não existe um método melhor de isolamento, existem métodos mais adequados para o objetivo do forno, pois o isolamento de qualidade é bem caro, e excessos, embora não piorem nada, serão desperdícios, pois haverá pouca utilidade no seu resultado.


Vermiculita, Perlita, Argila, Lã de Rocha e Fibra Cerâmica

Uma opção frequente em fornos domésticos (uso esporádico e curto) bem construídos - especialmente se a forma arredondada é valorizada, seja pela estética, seja por algum desejo “atávico” do que se acredita terem sido os antigos “fornos caipiras” de barro e ou tijolos que nos inventam muitas lembranças - é isolar as paredes recobrindo-as com uma manta lã de rocha, melhor se tiver sete ou mais centímetros de espessura e uma face aluminizada que fica para fora (em casas de produtos refratários podem ser compradas por 20 dólares o metro quadrado). Basta, então fixá-la com uma tela de galinheiro e sem apertar, recobrir tudo com uma camada de dois a três centímetros de argamassa, que pode ser a refratária caseira (1 kg de cimento, 3 kg de areia, 300 g de cal e 100 g de açúcar), para depois receber um acabamento ou tinta.

Se o forno for de utilização mais frequente e ou intensiva, vale a pena investir em uma camada extra de concreto isolante sobre a manta de lã de rocha, antes de plastificar com a argamassa e de aplicar um revestimento ou pintar. Para obtê-lo basta misturar 100 litros vermiculita expandida (ou argila expandida) em uma nata de 25 kg de cimento comum misturados a 40 litros de água. A vermiculita é mais ou menos difícil de achar, mas não custa caro, ajuda muito na formação da laje da base do forno e é muito leve (o saco com 100 litros pesa perto de 20 kg).

Em fornos profissionais, ou naqueles que vão apoiar o aquecimento de água da residência, é melhor construir um encoframento para o forno. Esta caixa não pode tocar nas suas paredes afim de ser preenchida com argila ou vermiculita expandidas e areia seca, misturada a um pouco de cimento e água. Antes, porém, o forno deve ter sido totalmente recoberto com uma camada de fibra de cerâmica de dois ou três centímetros de espessura e outra, intermediária, de lã de rocha aluminizada com pelo menos 5 cm de espessura. Da mesma forma que no forno doméstico explicado antes, a face metalizada da manta deve ficar para fora, impedindo, a contaminação das fibras pelos agregados do concreto isolante, e ambas devem ser fixadas, a primeira basta alguns arames e a segunda com tela de galinheiro, sem muita pressão. A cobertura do encoframento não deve ser muito espessa e jamais socada, para não pressionar o material isolante. Entre seu final e a tampa do encoframento pode haver espaço vazio, e é bom que haja.

A Parte de Dentro

As PAREDES, como a base de um forno, devem ser resistentes a temperaturas elevadas e ter massa para armazenar uma grande quantidade de calor (energia), pois contribuem definitivamente para a eficiência geral e são (devem ser!) a principal fonte de calor irradiado. Paredes muito grossas, acima de 15 centímetros, resultam em fornos muito pesados, exigentes de muito combustível, e só se justificam em condições especiais, como padarias ou pizzarias 24 horas. Entre 250 e 350 kg há massa suficiente para um bom desempenho, acima disto começa a ficar difícil e demorado esquentar o forno.

Fornos utilizados sem muita frequência e ou por curtos períodos - uma vez por semana e ou para assar poucas pizzas – podem ter paredes um pouco mais finas, para que aqueçam mais rápido sem ser muito importante que armazenem grandes quantidades de calor. É o caso da maioria dos fornos pré-fabricados em concreto, que têm paredes perto de cinco centímetros de espessura. Nestes casos um isolamento bom basta para manter uma boa temperatura durante o uso com fogo vivo e depois, ainda ser capaz de assar uma fornada de pães ou bolo.

Jamais se usa concreto comum, pois não aguenta mais que 300° sem se degradar, em fornos profissionais pré-moldados é fácil haver paredes de 7, 8 ou mais centímetros de espessura de concreto refratário, que aguenta mais de 1.500°C, aquece mais rápido e perde calor com mais demora (se não encontrar ou achar caro, pode fazer: uma parte de cimento comum, três partes de areia, uma parte de cal e uma parte de tijolos refratários moídos, ou de argila seca misturada com alumina (óxido de alumínio - Al3O2) na proporção de 1:0,8).

Já nos fornos usados pelo menos a cada dois ou três dias e ou por várias horas de cada vez - ou se apoiarem o aquecimento de água - é melhor que tenham paredes grossas (melhor de tijolos) e um isolamento reforçado, assim podem manter um calor razoável por um dia ou dois e economizar combustível quando são reaquecidos. É o mesmo princípio que nos faz manter o refrigerador ligado o tempo todo: gasta menos energia ele ligar várias vezes por pouco tempo, do que desligar quando não tem uso, como de noite, para religá-lo de manhã. 

Quando forem usados tijolos (refratários ou não) é importante ensopar eles antes de assentar e as juntas devem ser quase secas, para que entre eles não haja mais de meio centímetro de espaço completamente preenchido com argamassa refratária, especialmente no lado de dentro, isto evita diminuir a eficiência do forno e rachaduras. Facilita muito cortar os tijolos na metade, porque o ângulo de contato entre eles pode ser mais agudo e se dispostos em cunha ou de ponta, terão a mesma espessura ótima para uma parede de forno, algo perto de 10 cm. Um trabalho simples, feito com serrote velho, que agrega muita praticidade no manejo das peças, na execução dos arcos e muita economia também (um tijolo refratário custa perto de um dólar).

Para colar os tijolos é possível comprar argamassa refratária pronta (baldes de 30 litros por 60 dólares) ou fazer uma caseira bem mais barata, que vai resistir a mais de 900° - uma temperatura alta, só atingida na zona de combustão de fornos bons. Estas receitas não seguem nenhuma norma fixa, são quase magia branca e variam até na composição.

Considere o que quiser, use os seus sentidos e faça o melhor que puder, quase tudo que não for muito absurdo vai funcionar por um bom tempo. Uma sugestão é misturar uma lata dessas quadradas (18lt) - onde vem tinta - cheia com terra refratária (vendida em sacos) a 2 kg da cal e 1 kg de açúcar, e depois adicionar água até formar uma pasta com a consistência de uma geleia.

- Não acho Terra Refratária!

- Não vai cimento?


Calma, os conhecimentos populares são vastos... Use uma lata igual de terra argilosa bem seca misturada com areia média, para corrigir a textura (70% do volume de terra e 30% de areia), e junte 2,5 kg de cimento, 2,5 kg de cal e 1,5 kg de açúcar. Homogenize a seco e depois bata tudo com água até ficar uma pasta fácil de trabalhar. Pronto, não precisa terra refratária, que argila e chamote, ou pó de cerâmica, misturado com areia e um pouco de alumina - as vezes pó de tijolo refratário que deu ruim na indústria.

Sim, e “você pode substituir” a cal por um pouco de detergente comum, de cozinha mesmo, mas ai talvez seja um pouco demais ... mas vai que “cola”.

Quando for utilizar só barro para fazer as paredes, ele também deve ter a textura corrigida para evitar rachaduras, para isso se use areia até uma quantidade em que que comece a ficar difícil se moldar um anel no entorno do dedo (deve ser perto dos 70/30 como disse acima).

É importante adicionar um pouco de palha bem seca e amassar o barro com os pés, pisando sobre uma lona plástica para ser mais fácil de revolver. Isso aumenta a resistência das paredes aos impactos e pressões. A cal pode entrar ou não, mas ajuda a colar tudo e se puser açúcar ficará mais plástico, moldando e grudando melhor - eu acho, porque nunca ouvi falar de "Sugar Cob", só de Pão de Açúcar.

Colocar açúcar nesta massa de barro até parece brincadeira mesmo, mas faz diferença, principalmente nas rachaduras que a cura sempre provoca, mesmo se for bem feita, levando alguns dias com fogo fraco. Não tinha antes e agora também não tem uma proporção fixa para esta massa de barro, nem dá para testar tudo, insista em fazer o melhor, com o que tiver a mão e nas suas condições, porque pior do que fazer um forno na tosquera mesmo, é ficar imaginando como seria o seu forno lindo até morrer.

Algo como quatro ou cinco mãos bem cheias de palha seca e picada, 1,5 kg de açúcar e 3 kg de cal por lata de barro, deve funcionar suficientemente bem após se corrigir a textura da argila com areia e amassar bem, adicionando água até pasta mais dura, pois tem que moldar os Cobs e gruda-los uns nos outros sobre o molde, ou estrutura de madeira.

Na espessura vale o mesmo do tijolo, use 10 ou mais centímetros, e caso vá utilizar a técnica do molde de areia, divulgada no livro-caça níquel “Build Your Own Earth Oven” do Kiko Denzer e da Hannah Field, não esqueça como eles, isole a forma de areia com papel para não quebrar algum dente depois quando a areia desgrudar do teto e cair na pizza...

A Parte de Baixo

Uma boa BASE inicia com uma laje de concreto moldada em toda a extensão do forno e espaço lateral, com ferragem de reforço suficiente nas bordas e em cruz no centro, tudo amarrado - pode ser utilizada tela de galinheiro se a ferragem for mais fraca.

Melhor quando o concreto da laje de base for isolante e tiver pelo menos 10 a 15 centímetros de espessura (15 kg de cimento misturados em 54 litros de água onde se adiciona 100 litros de vermiculita expandida), outra opção é fazer uma laje de concreto simples e fixar, por baixo e sem pressionar, camadas de lã de rocha ou de fibra cerâmica até 10 ou 15 cm de espessura e protegidas por algum material resistente.

Forma perdida quase cheia de Concreto Isolante para mostrar a perfeita amarração dos ferros.

Sobre a laje bom colocar uma camada de areia de pelo menos cinco centímetros, porque ajuda a acumular e a trocar o calor, e na linha das bruxarias, pode ser usado garrafas de vidro bem picadas com ou açúcar misturado, pois estes materiais têm calor específico e condutividade térmica maiores que a areia.

Antes dos tijolos refratários da base interna do forno serem assentados em cunha para garantir uma boa espessura no fundo (ou as peças de concreto refratário do kit), é importante nivelar com areia fina. O assentamento dos tijolos é com junta seca, só se espalha uma nata fina de argamassa para selar elas.

O espaço livre na mesa ao redor da cúpula pode ser coberto com tijolos refratários da mesma forma, ou qualquer outro revestimento, mas deve ficar bem estanque, pois tudo que não se precisa na base de um forno é umidade de infiltração.

Note-se, por fim, que somando tudo, a base do forno completa tem perto de 30 centímetros de espessura (10 a 15 da laje, 5 da areia e 10 dos tijolos) e assim, sua caixa deve ser feita com bordas bem altas para conter todas estas camadas, e a estrutura de suporte do forno precisa prever o desconto desta medida, para que a boca não fique demasiado elevada (acima de 1,4 metros começa a ficar desconfortável).



https://andreiatuvani.wordpress.com/2013/05/12/28/

Construa-se!

terça-feira, 25 de outubro de 2016

A Lareira do Conde





Quando cheguei a Macapá em 1997, dentre todas as coisas diferentes e os muitos enigmas com que me deparei, causava espécie ver tantos cobertores e edredons nas lojas de decoração. Imaginava que poderia ser importações erradas daquela Zona Franca nada organizada, pois o calor era "ensurdecedor", não havia turistas sulinos e não podia haver utilidade para eles nos enxovais amapaenses e paraenses.

Levei um tempo para descobrir que muitos amigos costumavam ligar o ar condicionado e dormir com cobertas, embora as poucas noites frias, quando muito chegavam aos vinte poucos graus. Lembrei destas coisas muitos anos depois, quando me deparei com várias mansões em Brasília onde havia lareiras quase sem uso, e me pareceu que o Amapá estava ali, para lembrar que neste País as razões não importam muito, já o glamour...

Mas depois de passar um inverno realmente frio aqui na Borrússia, no qual me socorreu quase diariamente o fogão a lenha com estufa russa que construí, achei por bem estudar um pouco as lareiras, pois fetiches a parte, notei que muitos amigos passaram estes meses sofrendo com o frio e sonhando com lareiras, ou sofrendo com a fumaça e se escravizando por suas lareiras ineficientes, pois tinham que cortar montanhas de lenha constantemente, ou gastar os tubos para comprá-la. Assim, acho que posso ajudar a amenizar um pouco esse problema deles e contribuir para deixar algumas árvores de pé.

Antes um pequeno esclarecimento: este Blog anda meio parado porque não tenho conseguido realizar as experiências práticas que gostaria sobre alguns assuntos importantes para sitiantes acidentais como eu, e o Blog estava virando pura culinária. Como nos próximos meses, mesmo crise a baixo, devo conseguir algum capital para por alguns planos na realidade, retorno às teorias com alguma perspectiva de testá-las na vida, e em breve, quem sabe, consigo construir uma lareira Rumford no pátio para aquecer e cozinhar.


A Lareira Rumford:


Benjamin Thompson nasceu em 1753, em Woburn, Massachusetts, foi físico, inventor, e um conservador, que por meio do casamento ganhou o título de Conde de Rumford, e mesmo sendo considerado um dos três brilhantes junto com Ben Franklin e Thomas Jefferson, ele também foi um espião da Inglaterra quando houve a guerra da independência americana e teve que fugir como traidor quando as tropas inglesas se retiraram de Boston em 1776, deixando para trás até a esposa.

Em Londres, Thompson experimentou com pólvora e outros explosivos, desenvolveu novos métodos de sinalização no mar, chegou a ser Ministro da Guerra e ficou famoso em 1796 ao publicar um tratado sobre como construir uma lareira mais eficiente que não enfumaçava. O Rei George III ficou tão impressionado com Thompson que o nomeou cavaleiro, e Sir Benjamin passou 11 anos na Baviera, em vários cargos, quando adotou o nome "Rumford", homenageando o local de nascimento de sua esposa que hoje em dia se chama Concord e fica em New Hampshire.

A Lareira Rumford, com mais de dois séculos, continua sendo uma das lareiras mais eficientes que se pode construir até hoje e teve poucos aprimoramentos com o passar dos anos. É incrível que seja uma ilustre desconhecida no Brasil.

Mas o que têm de especial?


Quem tiver interesse pode ler o ensaio do Conde Rumford no original, e gostaria muito de sua opinião sobre eles, pois será útil para mim e para qualquer outro interessado em se aquecer no inverno com menos lenha, sem fumaça e mais beleza: http://rumford.com/chimneyfireplacesa.html

Abaixo há uma comparação entre a Lareira Rumford e a convencional, onde se destaca o sistema de exaustão mais eficiente  das Rumford e a maior irradiação de calor para o ambiente dadas as paredes abertas e maiores, mas não há mágica!

Lareiras são os dispositivos menos eficientes de aquecimento com lenha, se uma lareira convencional boa atinge 15 a 17% de eficiência (energia contida na lenha/energia entregue como calor ao ambiente a ser aquecido), talvez uma Rumford atinja 25% ou um pouco mais, o que é muito pouco, diante do rendimento de qualquer estufa de massa, que passam dos 90% com frequência.

Então, se o ser humano quer uma lareira, tudo bem, mas deve saber que a quantidade queimada de lenha variará muito pouco pouco e o que será sentido com uma lareira mais eficiente é o ambiente bem mais agradável.

A garganta estreita facilita a exaustão pois não causa turbulência e suas paredes mais abertas e altas irradiam mais calor e  em um ângulo maior.

A Lareira Rumford tende a ser mais estreita e alta que as lareiras comuns, logo possui uma área maior de paredes em contato com o fogo, e isso aumenta muito sua eficiência calórica ao irradiar mais calor para a sala em mais direções. A qualidade do ar deve ser melhor com seu uso, pois a exaustão é auxiliada pela parede traseira vertical que faz com que o fogo ocorra embaixo da Garganta, que ao se estreitar da frente para dentro e em curva, cria um Efeito Venturi (na época ainda não descrito) para os gases que passam, se lhes acelerando e sugando o ar tépido e mais rarefeito do entorno.

Na Garganta deve haver um abafador para regular o fluxo e melhorar a eficiência da queima, o qual por estar sobre o fogo, cria um espaço entre ele e a parede traseira da chaminé onde fica a Prateleira da Fumaça, um local de depósito dos gases mais tépidos que descendem pela chaminé até o Venturi lhes sugar e expelir para fora. Por ser muito mais larga que a chaminé, a Prateleira de Fumaça deve se afinar até encaixar nela e assim se cria Câmara de Fumaça, conforme a ilustração abaixo.

Corte longitudinal da lareira Rumford original, onde pode ser visto a garganta, a prateleira e o abafador.

Logo, de forma mais geral, uma Lareira Rumford possui uma construção fácil, talvez mais que a lareira convencional, pois não precisa de ângulos, e suas proporções são mais simples de dominar, apenas se deve notar que por ser menos funda, a lenha preferivelmente deve ser queimada em pé, o que ajuda a queima a ser mais limpa, pela melhor penetração do oxigênio.

Proporções:


Uma Lareira Rumford simples, para uma sala com 25 metros quadrados ou mais, pode ter medidas entorno de 81 centímetros de boca e de altura, 30,5 centímetros de profundidade e de parede traseira, e as paredes laterais abertas em um ângulo de 19° com 40 centímetros. Com estas medidas a Garganta deve ter 30 centímetros de altura e 10 centímetros de largura cobrindo toda extensão da lareira, e a Câmara de Fumaça deve ter pelo menos 50 centímetros de altura com uma Prateleira de 20 centímetros de largura.

Uma versão maior, boa para ambientes externos, e ou para complementar uma cozinha se lhe adaptando um suporte para um caldeirão médio, ou mesmo para espetos na sua frente, pode ter uma altura de 1,2 metros e igual largura de boca. A profundidade neste caso é 0,4 metros e as paredes laterais anguladas com 20° e 0,57 metros de largura. Para esta configuração, a Garganta requereria altura de 0,33 metros, uma largura de 0,13 metros e um comprimento de 0,58 metros e a Câmara de Fumaça deve ter pelo menso 0,70 metros de altura e a prateleira entorno de 0,25 metros, a depender do ângulo das paredes laterais.

Em ambos os casos, acima da Câmara de Fumaça é recomendável que a chaminé tenha a maior altura possível, e não menos que 2 metros.

O esquema a seguir é fornecido pela  rumford.com e pode ser de grande auxílio:



Variantes e aprimoramentos:


As Lareiras Rumford não deixaram muita margem para aprimoramentos, seja pela sua eficiência de partida, seja pela sua simplicidade e beleza.

A par disto, apenas deve ser notada que a única dificuldade na sua construção está na Garganta. Ou feita e moldada no local, ou produzida por um bom artesão que saiba fazer um molde em madeira para a produção da peça em concreto refratário.

Para evitar isso há sugestões na internet para se usar apenas paredes retas e angular para frente a parede traseira o suficiente para produzir a Garganta e a Prateleira, conforme a ilustração abaixo.


Yankee Magazine

Note-se que a Garganta é alongada na parte da frente, indicando que se a forma curva usa 0,3 metros de comprimento, neste caso de linhas retas é preferível espichar um pouco mais, até uns 0,45 metros de comprimento.

Outro aspecto que parece óbvio, mas pode passar despercebido é a inclinação da parede traseira não começar antes do final da altura do fogo, ou seja, pelo menso a 0,4 metros do piso.

E não importando as proporções, nem o modelo, é sempre bom construir a lareira um pouco elevada para que seja possível colocar uma grelha e uma caixa para as cinzas, algo que também facilita a entrada de ar por baixo do fogo e ajuda na combustão.

Por fim, parece esquisito, mas adaptar um tubo quadrado de ferro (inox melhor) por baixo da grelha e fazê-lo subir pela parede traseira até uns 45 centímetros mais ou menos, soldando em sua boca um pequeno T do mesmo material com vários furos vai criar uma entrada de ar pré-aquecido diretamente na zona de combustão, e isto elevará a eficiência da queima da madeira e diminuirá as emissões de gases.


Acenda-se! 




domingo, 5 de junho de 2016

Sob Todas as Camadas Há Um Vazio


Tenho uma amiga monja que diz que a carne que o budista gosta é o Vazio, pois todos podem alcançar, com ela, o Vazio (no ) Interior. Muitos budistas (gaúchos principalmente) vão encontrar o caminho com esta técnica.

Se não, sempre vale a tentativa...

Este Pastor Alemão, por outro lado, mesmo com medo do Blog virar uma referência culinária, vai se arriscar numa receita nova, porque ao ler diversas notícias sobre o corte na verba de alimentação da Presidenta Dilma - ora afastada - resolveu presenteá-la (ou homenageá-la) com algo inédito na Culinária de Galpão, mas fácil e barato, e que passa desapercebido na fiscalização, pois no fundo é tudo Vazio.


Soterradinho, Culinária de Galpão inspirada no Nordeste

Valha-me Soterradinho!!!!!!


Antes de tudo: #VIAJEQUERIDA


Agora, aqueça o forno, mas tudo o que puder, e com uma forma dentro, se for leve - dessas de alumínio - arrume uma que preste, e quando estiver tinindo, ponha um Vazio (Fraldinha) inteiro e bem limpo dentro, temperado só com muito pouco sal grosso, pimenta e alho (pode usar um sal temperado) e lambuzado de Óleo de Oliva.

Em outra forma coloque no forno, ao mesmo tempo, 500 gr. de Batata Doce (melhor se for batata cenoura ou abóbora - uma variedade "resgatada" pela Embrapa que no Uruguay é muito apreciada - mas ainda é difícil de achar por estas bandas) e 500 gr. de alguma abóbora (usei de pescoço bem nova), mas tudo cortado em pedaços grandes e sem casca. Também ponha na pressão mais 500 gr. de Aipim (Macaxeira) com um nada de sal.

Tudo deve ficar pronto mais ou menos ao mesmo tempo, mas o importante é o Aipim estar mole o suficiente para ser amassado com um grafo (em Culinária de Galpão não se usa Mixer!). Atenção, as Batatas e a Abóbora são mais rápidas, mas precisam ser amassadas também então vez ou outra olhe para não deixar queimar. A carne, não deixe passar de forma alguma: se precisar, deixe tudo assando e a carne fora, descansando mal passada alguns momentos até equalizar (compliquei...).

Quando retirar a carne mal passada (ou no ponto - limite de erro) corte bifes finos e depois pique tudo com duas facas. Qualquer néscio sabe fazer! Pique de forma grosseira e rápida, pois o importante é que ao voltar a carne e o molho da tábua para a forma em que a assou, ela ainda esteja quente o suficiente para fazer um Molho Ferrugem, só adicionando um pouquinho mais de água fervendo caso o suco da carne seja pouco, mas se achar que não consegue, faça o molho antes de picar a carne.

Retornada a carne e o molho à assadeira, amasse o aipim com manteiga (ou margarina) e um pouco de sal e, em separado, amasse a batata junto com a abóbora, temperando com sal, Óleo de Oliva e a pimenta que você quiser (uso um pouco pimenta do reino). Cuidado com o sal, pois já tem algum no molho da carne.

Cubra a carne no Molho Ferrugem com o Aipim amassado e salpique alguma salsa e cebolinha por cima, e soterre tudo (é o SOTERRADINHO!!!!) com a Batata Doce amassada com a Abóbora no Óleo de Oliva. Havia esquecido, se tiver Bacon, pique bem fininho e frite para adicionar ao Aipim. A ideia é ter duas camadas, uma salgada, um pouco defumada se colocar o Bacon e a outra mais adocicada.

Por fim, vá para o crime: cubra tudo com muzarela, ou com o queijo que achar melhor - penso que Provolone iria bem, assim como Catupiri (ou requeijão). Toque final: salpique  Manjerona e Parmesão e volte ao forno para gratinar.

O legal é ver o molho Ferrugem subir e ficar parecendo um molho Barbecue sobre o queijo - isso dá idéias com fumaça líquida, páprica, pimenta da Jamaica, etc., mas ai é com vocês....

Bom, depois de tudo, harmonize com Carménere e FORA TEMER!

Sacie-se!       


sábado, 7 de maio de 2016

Spaetzle ao Granito

Spaetzle ao Granito.
Buenas, como ando com a guiaca deveras vazia, alguns planos que virarão posts como o forno a lenha de tijolos, o abrigo das ovelhas com plasticimento e a garagem de pallets estão irremediavelmente adiados; resta então, neste inverno que se instala, ir pondo as barbas de molho, molho ao sugo, bechamel, de mostarda, e por ai vai.

Dia destes, vendo alguns videos no Youtube, me deparei com um concurso dos melhores pratos do programa Um Gordo na Cozinha, no qual várias confrarias culinárias do Rio Grande do Sul eram convidadas a fazer um prato, para que público escolhesse a melhor. O resultado não me interessou e algumas receitas eram bem óbvias, mas uma em especial. fez que eu lembrasse um prato que considero pura Culinária de Galpão, desenvolvido muitos invernos atras e andava meio esquecido: Spaetzle ao Granito.

Levei 12 horas para fazer, mas em panela de pressão tudo fica bem rápido. Eu só me prevaleço (provaleço está errado) porque uso um fogão a lenha com uma estufa acoplada - outro dia faço um post sobre ele - para cozinhar em "slow food motion", enquanto aqueço a casa.

Tudo começa pelo molho, então consiga um bom Granito, que é a carne de peito do boi, onde as costelas se juntam, e o tempere como quiser. Desta vez usei o Sal Vivo Temperado dos Cogumelos da Borrússia, totalmente orgânico, que meu amigo Francisco * faz e vende na Feira de Produtores de Osório, onde também leva os enormes Shitakes que produz. Corte ele em cubos largos e frite em uma caçarola, junto com pimenta do reino e alho esmagados no cabo da faca - afinal é Culinária de Galpão!

Granito e o Sal Vivo Temperado dos Cogumelos da Borrússia.
É importante que se deixe fritar por um bom tempo, quanto mais gordura sai melhor, pois será toda retirada quando a carne estiver no ponto: seca, escura e dura (calma é um molho!).


Carne bem frita e banha retirada. 

Nesta hora adicione uma cebola e metades de um pimentão verde, um amarelo e um vermelho - como não tinha vermelho, usei uma pimenta de cheiro (no Amapá chamavam cabeça de Bode, vai saber porque). Um pouco mais de tempo para refogar, mexa de vez em quando e cubra com tomates, usei seis, mas pode ser mais, ou pode menos, desde que se coloque uma lata daqueles italianos sem pele e não me faz te pegar nojo, nem sonhe em usar um desses molhos prontos. Antes de fechar a panela e esquecer por dez horas, coloque uns raminhos de Manjerona para que nossas façanhas sirvam de modelo a toda a terra.

Refogado pronto para receber os tomates.
Tomates e a Manjerona, cubra e esqueça.
Quem não tiver como esperar as dez horas, use panela de pressão, seguindo os mesmos passos, em duas horas mais ou menos deve estar resolvido, só use sempre fogo baixo e mexa o mínimo, melhor só quando estiver pronto. No fim, ao misturar tudo, adicione pela primeira vez um pouco de água e quando ferver novamente, aproveite para amassar as carnes com um pilão, até que um caldo grosso se forme. Coloque mais água, perto da metade do volume do molho, e deixe ferver para homogeneizar.

Molho pronto.

Carne amassada para ser retirada.

Usando um coador de massa, separe o caldo das carnes e vegetais, espremendo bem para aproveitar o molho. Pode por um pouco mais de água, apenas cuidado para não aguar o caldo. As carnes, reserve para o que inventar: estarão desfiadas e se o osso não tiver esfarelado muito, dando uma sensação de areia, podem ser usadas em canapés (sobre torradas), ou para rechear um pastelão de respeito - sei lá. No molho pronto, apenas adicione um pouco de Farinha de Mandioca para engrossar, mas cuidado para não fazer um pirão, nem para embolotar. Distribua o molho por cima do Spaetzle e leve ao forno para gratinar, sob uma farta camada de queijo (ralado ou mussarela).

Spaetzle aguardando o molho e o queijo para ir ao forno. 
Partiu Spaetzle ao Granito!!! 

O Spaetzle é lindo pela sua simplicidade, e como é rápido, se começar ele depois que as carnes foram esmagadas, tudo acaba junto, em bom tempo: em uma tigela quebre três ovos, adicione uma pitada de sal para cada ovo, meia Noz Moscada e 150 ml de água (1/4 de copo pequeno), bata para homogenizar tudo. Coloque duas xícaras de Farinha de Trigo aos poucos, mexendo sempre, e adicione água vez ou outra até que a massa fique fácil de bater, mas bem consistente: levantada na colher, deve cair lentamente um fio bem grosso - americanos colocam leite no Sapaetzle, preferi não tentar.

Enquanto a massa descansa uns 15 minutos, arrume no fogão uma panela grande com água fervendo com um pouco de sal e uma tigela com água gelada do lado. Ache uma tábua que caiba dentro da boca panela da água fervente, uma espátula mais ou menos da largura da tábua (faca de bolo serve) e uma escumadeira.

Massa, escumadeira, tábua de Spaetzle, água fervendo e água gelada.
O processo é assim: molhe a tábua com água fervendo para não grudar e coloque uma porção da massa do Spaetzle alisando-a sobre a tábua, encoste a tábua na boca da panela de água fervente e com a espátula (molhe na água também) corte uma porção pequena da massa e empurre para dentro da panela. Estas tirinhas vão afundar como nhoques e quando subirem, em um ou dois minutos estarão cozidas. Com uma escumadeira retire elas da água quente e dê um choque térmico na água fria e repita até acabar a massa. Escorra e pronto! É só juntar o molho e ir para o forno.


Spaetzle pronto, a prática faz a perfeição...

Tai o resultado, Culinária de Galpão de raiz consubstanciada em uma comida campônia que fazia tempo que não revisitava, pena o Tanat baratinho, que nem tive coragem de mostrar, mas é a crise...




Coma-se!



* O Francisco é superhost do Airbnb, assim quem quiser passar uns dias aqui na Borrússia, pode acertar com ele uma estadia no Mirante do Poente, uma casa linda, muito charmosa, com uma vista de cinema da Lagoa dos Barros (aquela depois do pedágio). 


  

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Espinhaço de Ovelha da Borrússia

A vida anda louca, acompanha o carnaval de hospício que o Brasil entrou. O reflexo imediato foi a falta de tempo e o blog às traças - sorte que não comem bits.

Neste retorno, fiel ao propósito inicial, mas me contorcendo todo, não vou falar de política. Como o Karnal disse no Jô, opinião é como uma certa parte do corpo que muita gente dá, dá e dá, mas é sempre opcional, então vou guardar as minhas e treinar o ouvido. Permito apenas uma declaração:


Eu votei, e o voto de ninguém é melhor que o meu! 

Bom, falemos do que importa. Um casal de amigos veio do Pará e se aventuraram pelos pagos a alguns dias atrás. Audaciosos, aceitaram o convite de passar uns dias aqui em casa, na Borrússia, mas como bom paraenses, trouxeram um isopor cheio de delícias e lembranças, que em troca pediram para eu fazer um espinhaço de ovelha.

Tal como nosso hino: "sirvam nossas façanhas, de modelo..." segue a receita, passo a passo, como combinado com eles, e já que a Culinária de Galpão tem que ser bagunçada como todo galpão, vai um aviso antes: tem dois xirus que respeito na frente do fogão, o Mestre Leite e o Carlos Castilho, assim não copio e quando cito, dou a fonte. Deviam reeditar os livros deles, pois nadar de poncho é mais fácil que achar eles.

Avisei logo porque vai ter gente dizendo, "já comi na casa do...", "masbáh!, me lembra o da minha...", "sei, eu gosto", "é de lamber os bigodes"; só que essa receita não é Cola Gaita com aipim (macaxeira no Pará), não é ensopado com batata e muito menos é espinhaço com arroz. Não tem nada parecido por ai, só na Borrússia!

Bom, primeiro ponha fogo:



Depois corte e prepare tudo, pois quando começa não para mais e não dá muito tempo, então com tudo organizado não queima.

As quantidades são aproximadas para seis pessoas: 2 Kg de espinhaço, 2 Kg de tomate, 1,8 Kg de cebola e 2 kg de batata doce, um litro de cerveja e 1/2 Kg de queijo colonial, mais sal grosso, alho, pimenta preta e Manjerona.

Soque um punhado de sal grosso até esfarelar, acrescente pimenta preta na sua medida, e soque até virar pó, ai acrescente cinco ou seis dentes de alho e soque até virar uma pasta bem firme que não escorra. Se tiver Manjerona verde, soque junto um pouco.

Pegue cada fatia de espinhaço (1,5 a 2 cm de espessura) e dê uma deda da pasta, se forem mais grossas, passe dos dois lados. Comece por temperar a carne, pois tem que pegar gosto descansando  por uns 40 minutos, ou mais,


Em seguida corte os tomates em 3 e os aperte para sair as sementes, depois descasque e corte as cebolas em 4, e as batatas doce em cubos grandes. Se não passou 40 minutos, então ponha mais lenha, tome um chimarrão, ou faça uma caipirinha para dar inspiração.



Bom, ponha a panela no fogo. Usei uma polenteira, porque o fundo redondo ajuda a mexer pendurada, mas qualquer uma serve, menos de alumínio, pois o fundo fino queima a carne e o tomate escurece. Prefiro as panelas de barro das Oleiras de Vitória, depois as de Pedra Sabão de Goiás, e por fim as de ferro, mas se não tiver outra, vai uma Le Creuset mesmo.

Quando esquentar bem, você decide se inicia com banha, ou coloca a carne direto. Até os 50 anos eu iniciava com banha, hoje ponho a carne direto e ainda desengorduro, se o espinhaço tiver muito tutano ou for bem gordo. Importante, não jogue a carne, arrume o máximo nas bordas, ajuda a fritar e pegar cor rápido. Depois de um tempo, vire elas antes que queimem. Sei que esculhamba tudo, mas com um pegador longo, dá para arrumar de volta contra as bordas.


Depois de coradas dos dois lados, mexa tudo uma ou duas vezes e cuide pelo som, para saber quando o caldo está acabando, então faça um buraco no meio e ponha as cebolas de uma só vez. Tampe uns cinco minutos, mexa tudo, e ponha os tomates por cima e tampe novamente. Depois de mais uns cinco ou dez minutos, mexa tudo e repita algumas vezes, tampando sempre, até o tomate começar a se dissolver.



Neste ponto, abra um vinho, se ainda não o fez. Eu sugiro harmonizar com algum Malbec de berço. Esse ai é da serra gaúcha, não tão complexo como esperava, mas não passa vergonha para nenhum argentino que já tomei. Tentei outras cepas, mas para mim só o Tanat uruguaio foi bem, ou cerveja, que nunca falha.


Agora vamos para os finalmentes. Abra a panela, ponha mais um pouco de Manjerona, mexa para trazer o que está no fundo para cima, e cubra com a Batata-doce. Tampe e abafe por uns poucos minutos, porque deve ter estar quase sem caldo e há risco de pegar no fundo.

Abra e despeje de uma só vez o litro de cerveja e não mexa mais, apenas tampe imediatamente. Cuidado com o fogo, que deve estar fraco (ou levante a panela), pode até tirar ela um pouco do fogo, mas de ouvido descubra quando ferveu, dai é mais uns 15 ou 20 minutos até a batata ficar pronta. Abra e mexa pra ver se estão no ponto: Batatas-doce moles, esfarelando nas bordas. Se passar deste ponto vira um sopão cremoso e perde a graça, cuidado!



Chame todo mundo, por mais fome que estejam, sempre demora uns dez minutos, então tire a panela do fogo e ponha por cima o queijo colonial cortado em cubos grandes, quanto mais melhor. Tampe e aguarde todos sentarem, o queijo derrete e fica delicioso. Sirva com pão, muito pão.


Minha amiga Paraense gosta de Sagu, então vai a receita também: use uma garrafa de vinho Bordô, que é o melhor na minha opinião. Deixe a metade do pacote de Sagu (nunca use um pacote inteiro!!!!!) de molho na metade do vinho e na metade da água por três horas antes de levar ao fogo. Ferva a outra metade do vinho e da água com um pau de canela e uns cravos da índia e adicione açúcar como quiser (de uma a três xícaras). Quando ferver, ponha o Sagu que estava de molho junto com caldo e no fogo baixo mexa para não pegar no fundo até ferver novamente. Quando os olhinhos brancos começarem a sumir será rápido para ficar pronto. O creme é só cozinhar amido de milho misturado em um ovo no leite e pingar essência de Baunilha, mexendo até um mingau leve. 




Espero que gostem, que compartilhem na mesa e na internet e perguntem se houver alguma dúvida. Também pode criticar e sugerir qualquer coisa, mas aviso que este prato foi tentado e aprimorado durante cinco anos, até passar no teste do Piquete É o Tchê, em pleno Acampamento Farroupilha, onde o menos desconfiado, parece cego com amante. 

Lá o Master Chef é coisa de piá, quero ver é tratar aquela tropilha.


Coma-se!!!




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domingo, 31 de janeiro de 2016

Quanta terra compro?

Nesta semana houve uma reunião no Incra do Rio Grande do Sul para discutir o parcelamento de Projetos de Assentamento que caminham para a titulação. Como foi um primeiro esforço de qualificação daquilo praticado hoje, não se pode esperar muito avanço, mas só a compreensão de que a legislação agrária está definitivamente conectada com a ambiental e a civil neste momento, já se impôs uma agenda positiva de ajustes. Torço que evolua.

Como sai da reunião pensando em muitas coisas, resolvi aproveitar e postar duas reflexões aqui, uma anterior ao tema do parcelamento, mas que seguidamente ao encontrar alguém com intensão de ter terras me é perguntado:

Quanta terra?


No Permacultura Dois, Bill Mollison dedica um subcapítulo ao assunto de quanta terra basta, no qual afirma ser um erro grave extrapolar as capacidades das pessoas e ter mais terra que se pode lidar, pois é fácil ficar mais pobre na medida em que mais terra se obtenha.


Resultado de imagem para ganância por terra


Pensando em patrimônio e reserva de valor, isso é bobagem? Não! Definitivamente não! O custo da terra está tão alto, que investir além da capacidade de utilização dificilmente vai reverter em algum ganho, deve mesmo virar prejuízo:


  • Quem comprou e arrendou sem exigir cuidados com a conservação do solo, ou proibir o plantio de florestas comerciais, sabe bem o que falo, assim como aqueles que descuidaram e tiveram que enfrentar uma ação judicial para retirar invasores (ocupação de latifúndio, mesmo produtivo, eu apoio!), pior se eles se tornaram posseiros, o que acontece com um ano e um dia de ocupação, então vira um calvário. Pouca gente acredita, mas as desapropriações para reforma agrária são 90% fruto de acordos.

  • Quem desavisadamente deixar em pousio terras no bioma da Mata Atlântica, quando atingir o estágio terciário de regeneração (seis a oito anos) vai ver que a reconversão da área para sistemas de produção tradicionais será praticamente impossível dentro da Lei ambiental.


Enfim, como Mollinson disse, seria ótimo se pudéssemos regular a quantidade de terra pela nossa idade, assim pensaríamos cada vez mais sabiamente. No desafio da resposta de quanta terra, ele é simples: tanta terra quanto se consiga controlar, para atingir antes a autossuficiência, deixando quieta a possibilidade de gerar excedentes. E sugere que se comece pela porta de casa: quem não planta um quintal (jardim, horta, pomar) não inicia um sistema de permacultura.

Deve valer para o Brasil, o que ele afirma se dar na Rússia: nos 4% da área das propriedades camponesas que fica no entorno das casas, é produzido algo perto de 60% da comida, então mil metros quadrados de quintal devem ser o bastante para desenvolver sistemas anuais intensivos e perenes que sustentem pelo menos quatro pessoas.

Na sua visão, o paisagismo "delinquente" do oeste (ele escreve da Austrália) também deve ser repensado em termos de sustentabilidade, pois desperdiçar as áreas suburbanas com gramados, flores e plantas meramente cosméticas, deixando áreas urbanas paradas, enquanto nas fronteiras agrícolas há desmatamento e uso predatório do solo, definitivamente não é algo que possa perdurar mais tempo.

Abordagem interessante que leva à segunda reflexão, sobre os cálculos agronômicos da capacidade de suporte em famílias, de uma determinada área, elaborados ao se criar um projeto de assentamento no Incra.

Há utilidade na dimensão da terra?


É usual que os gestores pressionem os técnicos para colocar o máximo de famílias possível por área, mas pelo motivo errado: os custos. Assim a situação ideal, que fica no no pano de fundo, distorcendo e limitando, permanece protegida de qualquer avaliação: o assentamento deve produzir excedentes comerciais para o mercado, logo cada unidade familiar deve ter tanta terra, quanto seja o necessário para a subsistência e para a produção comercial.

Contraditoriamente, agindo assim, ocorre que as famílias recém assentadas são afastadas da auto-suficiência imediata e necessária, e induzidas a pulverizar sua força de trabalho e recursos em um lote com uma área muito maior do que podem lidar naquele momento, resultando no empobrecimento, dependência do governo, e boa parte da ineficiência desta política pública que perde seus clientes.  

O parcelamento dos assentamentos seria mais proveitoso se seguisse o ensinamento de Mollison e fosse ajustando as quantidades de terra de cada família pelo tempo e experiência, cotejando os momentos iniciais do assentamento com a glória esperada no futuro. Isto implicaria em metas de auto-suficiência prioritárias sobre a produção para o mercado e que uma vida simples fosse um objetivo a curto prazo, deixando de lado a complexa definição de qualidade de vida que se extrai do rol de políticas públicas, dificilmente concretizada em muitos anos. Além disso, áreas pequenas e uso intensivo propiciam não só à infraestrutura, mas aos serviços também, o acesso mais fácil e rápido, impulsionando a produção de alimentos e a segurança alimentar das famílias.

Minifundialização! Já é possível ouvir os gritos.

Nada. Socialmente não parece escusado pensar um assentamentos que não preveja a sucessão familiar, nem a produção para o mercado, então basta importar, da legislação ambiental, a ideia da Reserva Legal, e autorizar a existência da Reserva Produtiva. Uma porção de terras reservada para ser acionada em três ou quatro anos, por cada família individualmente, se assim quisessem, mas que inicialmente servisse como uma fonte de trabalho, aprendizado e renda, onde empreendimentos coletivos e ou arrendamentos legalizados pudessem ocorrer. Mesmo deixada em pousio, só por concentrar a força de trabalho, racionalizar a infraestrutura e o acesso aos serviços, e descansar o solo reconstruindo a fertilidade e estocando recursos naturais, já seria muito mais proveitosa do que o desregramento atual, onde há terra inaproveitada, recursos e créditos perdidos e muito arrendamento individual ilegal e predatório nos assentamentos.

A pressa, então, parece ser inimiga, antes da sobrevivência, e só bem depois, da perfeição, mas os gestores, via de regra, só olham para esta última - as pessoas que se lasquem, importante é a obra. Esta proposta, se posta em prática,  possivelmente diminuiria a quantidade de páginas escritas sobre a evasão das famílias (30% no mínimo) e o rol infindável das justificativas dos fracassos e desvios.

Destarte nunca soube de um Projeto de Assentamento em que não ocorresse disputa entre as famílias candidatas, pela maior quantidade de terra para cada uma. É algo que se espera, dada a natureza humana e as condições desumanas de vida destas pessoas, mas questões culturais são apenas difíceis de alterar, não impossíveis, tal como o erro estúpido e reincidente dos gestores das políticas públicas brasileiras, que insistem em ser julgados (e condenados) pelo (in)sucesso, do que pelos fracassos concretamente evitados. Por este motivo, com sarcasmo, muitas vezes perguntei se era para assentar as famílias na terra ou na Lua?


Foto emprestada do UOL: ISS Missão 36.

Assim demarcava a real importância de se tirar uma família da beira da estrada, de debaixo da lona, na qual viveu por anos, e reconstruir uma cidadania simples, garantidora de um futuro, no qual ela tenha uma casa para voltar, onde comeu e bebeu água hoje, e vai ter o que comer e beber amanhã e no mês que vêm. Na linha do Sen, é dar às pessoas, as condições para que elas valorizem aquilo que encontram razões para valorizar, e não ficar impondo renda disso, produção daquilo, estatísticas e regras burras.

Incrível como pode ser despercebido o quão gigantesco é o passo da invisibilidade para a dignidade que estas famílias dão na Reforma Agrária e como é mais importante para elas atingir um resultado na produção agrícola, não necessariamente monetizável, mas efetivamente capaz de torná-las mais felizes e livres, do que chegar na "lua" da produção dos excedentes econômicos (duvidoso êxito se consideradas junto as dívidas implicadas).

Este debate não evolui, creio, parte pela mesquinhez dos líderes e políticos, mas parte pela cegueira "saramagoana" dos gestores - craques em futebol, acham o máximo o "andar de cima" lhes convidar apenas para o campeonato de tênis coberto pela mídia cativa. Deve ser um vício preferir as justificativas, aos resultados. Gostaria que a Reforma Agrária fosse julgada pelo que é, não pelo que produz, reduzida aos seus resultados ditos úteis.

Quanta fome e sede ela fez cessar, quanta mobilidade e visibilidade ela concedeu às famílias assentadas, quantas crianças ganharam um teto e chegaram na escola. Isso é o que importa, isso muda o Brasil, já o número de contratos de financiamento, ou o valor da produção, ou a quantidade de qualquer coisa (inclusive famílias assentadas e terra destinada) é mera moldura do quadro da miséria rural deste País, nunca deveria passar disso, mas infelizmente basta a sereia cantar um pouco, e os marujos se apressam em aceitar comparações de eficiência, produtividade, VBP, etc. com o agronegócio. Nadam como pregos.

Eis um porquê do roubo de terras e da corrupção dos funcionários e políticos serem facilmente forçados pela mídia como algo muito mais importante do que as inestimáveis pequenas vitórias contra a exploração e alienação das pessoas. Fica parecendo que um indigente ou miserável, quando consegue chegar na pobreza e auferir alguma dignidade, por meio de uma política pública, não vale nada, é como se fosse vazio de significado: a bobagem de um milagre a mais...

Diante deste quadro, é pertinente crer que institucionalidade envolvida nas políticas agrárias deve sofrer em breve uma grande reforma, ou mesmo sua descontinuidade pura e simples - o sinal do orçamento ridículo já foi dado.

Veremos, então, o que retornará, pois a demanda social por terra e liberdade é concreta e permanecerá por muito tempo ainda bem viva no Brasil rural. Espero que neste cenário futuro as pessoas sejam incorporadas como ativos importantes, no mesmo patamar em que estão a terra e os créditos hoje.


Reforme-se!