segunda-feira, 4 de abril de 2016

Espinhaço de Ovelha da Borrússia

A vida anda louca, acompanha o carnaval de hospício que o Brasil entrou. O reflexo imediato foi a falta de tempo e o blog às traças - sorte que não comem bits.

Neste retorno, fiel ao propósito inicial, mas me contorcendo todo, não vou falar de política. Como o Karnal disse no Jô, opinião é como uma certa parte do corpo que muita gente dá, dá e dá, mas é sempre opcional, então vou guardar as minhas e treinar o ouvido. Permito apenas uma declaração:


Eu votei, e o voto de ninguém é melhor que o meu! 

Bom, falemos do que importa. Um casal de amigos veio do Pará e se aventuraram pelos pagos a alguns dias atrás. Audaciosos, aceitaram o convite de passar uns dias aqui em casa, na Borrússia, mas como bom paraenses, trouxeram um isopor cheio de delícias e lembranças, que em troca pediram para eu fazer um espinhaço de ovelha.

Tal como nosso hino: "sirvam nossas façanhas, de modelo..." segue a receita, passo a passo, como combinado com eles, e já que a Culinária de Galpão tem que ser bagunçada como todo galpão, vai um aviso antes: tem dois xirus que respeito na frente do fogão, o Mestre Leite e o Carlos Castilho, assim não copio e quando cito, dou a fonte. Deviam reeditar os livros deles, pois nadar de poncho é mais fácil que achar eles.

Avisei logo porque vai ter gente dizendo, "já comi na casa do...", "masbáh!, me lembra o da minha...", "sei, eu gosto", "é de lamber os bigodes"; só que essa receita não é Cola Gaita com aipim (macaxeira no Pará), não é ensopado com batata e muito menos é espinhaço com arroz. Não tem nada parecido por ai, só na Borrússia!

Bom, primeiro ponha fogo:



Depois corte e prepare tudo, pois quando começa não para mais e não dá muito tempo, então com tudo organizado não queima.

As quantidades são aproximadas para seis pessoas: 2 Kg de espinhaço, 2 Kg de tomate, 1,8 Kg de cebola e 2 kg de batata doce, um litro de cerveja e 1/2 Kg de queijo colonial, mais sal grosso, alho, pimenta preta e Manjerona.

Soque um punhado de sal grosso até esfarelar, acrescente pimenta preta na sua medida, e soque até virar pó, ai acrescente cinco ou seis dentes de alho e soque até virar uma pasta bem firme que não escorra. Se tiver Manjerona verde, soque junto um pouco.

Pegue cada fatia de espinhaço (1,5 a 2 cm de espessura) e dê uma deda da pasta, se forem mais grossas, passe dos dois lados. Comece por temperar a carne, pois tem que pegar gosto descansando  por uns 40 minutos, ou mais,


Em seguida corte os tomates em 3 e os aperte para sair as sementes, depois descasque e corte as cebolas em 4, e as batatas doce em cubos grandes. Se não passou 40 minutos, então ponha mais lenha, tome um chimarrão, ou faça uma caipirinha para dar inspiração.



Bom, ponha a panela no fogo. Usei uma polenteira, porque o fundo redondo ajuda a mexer pendurada, mas qualquer uma serve, menos de alumínio, pois o fundo fino queima a carne e o tomate escurece. Prefiro as panelas de barro das Oleiras de Vitória, depois as de Pedra Sabão de Goiás, e por fim as de ferro, mas se não tiver outra, vai uma Le Creuset mesmo.

Quando esquentar bem, você decide se inicia com banha, ou coloca a carne direto. Até os 50 anos eu iniciava com banha, hoje ponho a carne direto e ainda desengorduro, se o espinhaço tiver muito tutano ou for bem gordo. Importante, não jogue a carne, arrume o máximo nas bordas, ajuda a fritar e pegar cor rápido. Depois de um tempo, vire elas antes que queimem. Sei que esculhamba tudo, mas com um pegador longo, dá para arrumar de volta contra as bordas.


Depois de coradas dos dois lados, mexa tudo uma ou duas vezes e cuide pelo som, para saber quando o caldo está acabando, então faça um buraco no meio e ponha as cebolas de uma só vez. Tampe uns cinco minutos, mexa tudo, e ponha os tomates por cima e tampe novamente. Depois de mais uns cinco ou dez minutos, mexa tudo e repita algumas vezes, tampando sempre, até o tomate começar a se dissolver.



Neste ponto, abra um vinho, se ainda não o fez. Eu sugiro harmonizar com algum Malbec de berço. Esse ai é da serra gaúcha, não tão complexo como esperava, mas não passa vergonha para nenhum argentino que já tomei. Tentei outras cepas, mas para mim só o Tanat uruguaio foi bem, ou cerveja, que nunca falha.


Agora vamos para os finalmentes. Abra a panela, ponha mais um pouco de Manjerona, mexa para trazer o que está no fundo para cima, e cubra com a Batata-doce. Tampe e abafe por uns poucos minutos, porque deve ter estar quase sem caldo e há risco de pegar no fundo.

Abra e despeje de uma só vez o litro de cerveja e não mexa mais, apenas tampe imediatamente. Cuidado com o fogo, que deve estar fraco (ou levante a panela), pode até tirar ela um pouco do fogo, mas de ouvido descubra quando ferveu, dai é mais uns 15 ou 20 minutos até a batata ficar pronta. Abra e mexa pra ver se estão no ponto: Batatas-doce moles, esfarelando nas bordas. Se passar deste ponto vira um sopão cremoso e perde a graça, cuidado!



Chame todo mundo, por mais fome que estejam, sempre demora uns dez minutos, então tire a panela do fogo e ponha por cima o queijo colonial cortado em cubos grandes, quanto mais melhor. Tampe e aguarde todos sentarem, o queijo derrete e fica delicioso. Sirva com pão, muito pão.


Minha amiga Paraense gosta de Sagu, então vai a receita também: use uma garrafa de vinho Bordô, que é o melhor na minha opinião. Deixe a metade do pacote de Sagu (nunca use um pacote inteiro!!!!!) de molho na metade do vinho e na metade da água por três horas antes de levar ao fogo. Ferva a outra metade do vinho e da água com um pau de canela e uns cravos da índia e adicione açúcar como quiser (de uma a três xícaras). Quando ferver, ponha o Sagu que estava de molho junto com caldo e no fogo baixo mexa para não pegar no fundo até ferver novamente. Quando os olhinhos brancos começarem a sumir será rápido para ficar pronto. O creme é só cozinhar amido de milho misturado em um ovo no leite e pingar essência de Baunilha, mexendo até um mingau leve. 




Espero que gostem, que compartilhem na mesa e na internet e perguntem se houver alguma dúvida. Também pode criticar e sugerir qualquer coisa, mas aviso que este prato foi tentado e aprimorado durante cinco anos, até passar no teste do Piquete É o Tchê, em pleno Acampamento Farroupilha, onde o menos desconfiado, parece cego com amante. 

Lá o Master Chef é coisa de piá, quero ver é tratar aquela tropilha.


Coma-se!!!




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