terça-feira, 25 de outubro de 2016

A Lareira do Conde





Quando cheguei a Macapá em 1997, dentre todas as coisas diferentes e os muitos enigmas com que me deparei, causava espécie ver tantos cobertores e edredons nas lojas de decoração. Imaginava que poderia ser importações erradas daquela Zona Franca nada organizada, pois o calor era "ensurdecedor", não havia turistas sulinos e não podia haver utilidade para eles nos enxovais amapaenses e paraenses.

Levei um tempo para descobrir que muitos amigos costumavam ligar o ar condicionado e dormir com cobertas, embora as poucas noites frias, quando muito chegavam aos vinte poucos graus. Lembrei destas coisas muitos anos depois, quando me deparei com várias mansões em Brasília onde havia lareiras quase sem uso, e me pareceu que o Amapá estava ali, para lembrar que neste País as razões não importam muito, já o glamour...

Mas depois de passar um inverno realmente frio aqui na Borrússia, no qual me socorreu quase diariamente o fogão a lenha com estufa russa que construí, achei por bem estudar um pouco as lareiras, pois fetiches a parte, notei que muitos amigos passaram estes meses sofrendo com o frio e sonhando com lareiras, ou sofrendo com a fumaça e se escravizando por suas lareiras ineficientes, pois tinham que cortar montanhas de lenha constantemente, ou gastar os tubos para comprá-la. Assim, acho que posso ajudar a amenizar um pouco esse problema deles e contribuir para deixar algumas árvores de pé.

Antes um pequeno esclarecimento: este Blog anda meio parado porque não tenho conseguido realizar as experiências práticas que gostaria sobre alguns assuntos importantes para sitiantes acidentais como eu, e o Blog estava virando pura culinária. Como nos próximos meses, mesmo crise a baixo, devo conseguir algum capital para por alguns planos na realidade, retorno às teorias com alguma perspectiva de testá-las na vida, e em breve, quem sabe, consigo construir uma lareira Rumford no pátio para aquecer e cozinhar.


A Lareira Rumford:


Benjamin Thompson nasceu em 1753, em Woburn, Massachusetts, foi físico, inventor, e um conservador, que por meio do casamento ganhou o título de Conde de Rumford, e mesmo sendo considerado um dos três brilhantes junto com Ben Franklin e Thomas Jefferson, ele também foi um espião da Inglaterra quando houve a guerra da independência americana e teve que fugir como traidor quando as tropas inglesas se retiraram de Boston em 1776, deixando para trás até a esposa.

Em Londres, Thompson experimentou com pólvora e outros explosivos, desenvolveu novos métodos de sinalização no mar, chegou a ser Ministro da Guerra e ficou famoso em 1796 ao publicar um tratado sobre como construir uma lareira mais eficiente que não enfumaçava. O Rei George III ficou tão impressionado com Thompson que o nomeou cavaleiro, e Sir Benjamin passou 11 anos na Baviera, em vários cargos, quando adotou o nome "Rumford", homenageando o local de nascimento de sua esposa que hoje em dia se chama Concord e fica em New Hampshire.

A Lareira Rumford, com mais de dois séculos, continua sendo uma das lareiras mais eficientes que se pode construir até hoje e teve poucos aprimoramentos com o passar dos anos. É incrível que seja uma ilustre desconhecida no Brasil.

Mas o que têm de especial?


Quem tiver interesse pode ler o ensaio do Conde Rumford no original, e gostaria muito de sua opinião sobre eles, pois será útil para mim e para qualquer outro interessado em se aquecer no inverno com menos lenha, sem fumaça e mais beleza: http://rumford.com/chimneyfireplacesa.html

Abaixo há uma comparação entre a Lareira Rumford e a convencional, onde se destaca o sistema de exaustão mais eficiente  das Rumford e a maior irradiação de calor para o ambiente dadas as paredes abertas e maiores, mas não há mágica!

Lareiras são os dispositivos menos eficientes de aquecimento com lenha, se uma lareira convencional boa atinge 15 a 17% de eficiência (energia contida na lenha/energia entregue como calor ao ambiente a ser aquecido), talvez uma Rumford atinja 25% ou um pouco mais, o que é muito pouco, diante do rendimento de qualquer estufa de massa, que passam dos 90% com frequência.

Então, se o ser humano quer uma lareira, tudo bem, mas deve saber que a quantidade queimada de lenha variará muito pouco pouco e o que será sentido com uma lareira mais eficiente é o ambiente bem mais agradável.

A garganta estreita facilita a exaustão pois não causa turbulência e suas paredes mais abertas e altas irradiam mais calor e  em um ângulo maior.

A Lareira Rumford tende a ser mais estreita e alta que as lareiras comuns, logo possui uma área maior de paredes em contato com o fogo, e isso aumenta muito sua eficiência calórica ao irradiar mais calor para a sala em mais direções. A qualidade do ar deve ser melhor com seu uso, pois a exaustão é auxiliada pela parede traseira vertical que faz com que o fogo ocorra embaixo da Garganta, que ao se estreitar da frente para dentro e em curva, cria um Efeito Venturi (na época ainda não descrito) para os gases que passam, se lhes acelerando e sugando o ar tépido e mais rarefeito do entorno.

Na Garganta deve haver um abafador para regular o fluxo e melhorar a eficiência da queima, o qual por estar sobre o fogo, cria um espaço entre ele e a parede traseira da chaminé onde fica a Prateleira da Fumaça, um local de depósito dos gases mais tépidos que descendem pela chaminé até o Venturi lhes sugar e expelir para fora. Por ser muito mais larga que a chaminé, a Prateleira de Fumaça deve se afinar até encaixar nela e assim se cria Câmara de Fumaça, conforme a ilustração abaixo.

Corte longitudinal da lareira Rumford original, onde pode ser visto a garganta, a prateleira e o abafador.

Logo, de forma mais geral, uma Lareira Rumford possui uma construção fácil, talvez mais que a lareira convencional, pois não precisa de ângulos, e suas proporções são mais simples de dominar, apenas se deve notar que por ser menos funda, a lenha preferivelmente deve ser queimada em pé, o que ajuda a queima a ser mais limpa, pela melhor penetração do oxigênio.

Proporções:


Uma Lareira Rumford simples, para uma sala com 25 metros quadrados ou mais, pode ter medidas entorno de 81 centímetros de boca e de altura, 30,5 centímetros de profundidade e de parede traseira, e as paredes laterais abertas em um ângulo de 19° com 40 centímetros. Com estas medidas a Garganta deve ter 30 centímetros de altura e 10 centímetros de largura cobrindo toda extensão da lareira, e a Câmara de Fumaça deve ter pelo menos 50 centímetros de altura com uma Prateleira de 20 centímetros de largura.

Uma versão maior, boa para ambientes externos, e ou para complementar uma cozinha se lhe adaptando um suporte para um caldeirão médio, ou mesmo para espetos na sua frente, pode ter uma altura de 1,2 metros e igual largura de boca. A profundidade neste caso é 0,4 metros e as paredes laterais anguladas com 20° e 0,57 metros de largura. Para esta configuração, a Garganta requereria altura de 0,33 metros, uma largura de 0,13 metros e um comprimento de 0,58 metros e a Câmara de Fumaça deve ter pelo menso 0,70 metros de altura e a prateleira entorno de 0,25 metros, a depender do ângulo das paredes laterais.

Em ambos os casos, acima da Câmara de Fumaça é recomendável que a chaminé tenha a maior altura possível, e não menos que 2 metros.

O esquema a seguir é fornecido pela  rumford.com e pode ser de grande auxílio:



Variantes e aprimoramentos:


As Lareiras Rumford não deixaram muita margem para aprimoramentos, seja pela sua eficiência de partida, seja pela sua simplicidade e beleza.

A par disto, apenas deve ser notada que a única dificuldade na sua construção está na Garganta. Ou feita e moldada no local, ou produzida por um bom artesão que saiba fazer um molde em madeira para a produção da peça em concreto refratário.

Para evitar isso há sugestões na internet para se usar apenas paredes retas e angular para frente a parede traseira o suficiente para produzir a Garganta e a Prateleira, conforme a ilustração abaixo.


Yankee Magazine

Note-se que a Garganta é alongada na parte da frente, indicando que se a forma curva usa 0,3 metros de comprimento, neste caso de linhas retas é preferível espichar um pouco mais, até uns 0,45 metros de comprimento.

Outro aspecto que parece óbvio, mas pode passar despercebido é a inclinação da parede traseira não começar antes do final da altura do fogo, ou seja, pelo menso a 0,4 metros do piso.

E não importando as proporções, nem o modelo, é sempre bom construir a lareira um pouco elevada para que seja possível colocar uma grelha e uma caixa para as cinzas, algo que também facilita a entrada de ar por baixo do fogo e ajuda na combustão.

Por fim, parece esquisito, mas adaptar um tubo quadrado de ferro (inox melhor) por baixo da grelha e fazê-lo subir pela parede traseira até uns 45 centímetros mais ou menos, soldando em sua boca um pequeno T do mesmo material com vários furos vai criar uma entrada de ar pré-aquecido diretamente na zona de combustão, e isto elevará a eficiência da queima da madeira e diminuirá as emissões de gases.


Acenda-se!